sábado, 27 de abril de 2013

A Justiça

Quando criança eu tinha a mania de me sentir sempre 
injustiçado. Por um ou outro motivo, não me tinham feito 
justiça, sem perceber que, para mim, a “injustiça” era sempre 
qualquer restrição feita aos meus desejos, fantasias e vontades.
E invariavelmente arrebentava em lágrimas de protesto. 
Um dia papai me chamou e disse: 
- Meu filho, vamos combinar uma coisa. Você sabe que papai não 
gosta de ver você triste, não é? Então nós vamos fazer o seguinte: 
cada vez que você chorar, escreva num papel a causa. Coloque o 
papel no vaso azul, ali, sobre a escrivaninha. Deixe passar alguns 
dias e leia-o. Se achar que o assunto ainda o está aborrecendo, 
venha a mim, conte-me o caso e eu lhe prometo que corrigirei a 
injustiça que tiverem feito contra você. Combinado? 
Estava combinado. Nos primeiros dias eu enchi o vaso azul de 
anotações. Passadas no preto e branco, minhas queixas me pareciam 
perfeitamente justificadas. 
Passaram-se os dias e meu pai voltou a falar comigo. 
- Você já pode começar a reexaminar os seus papéis. Depois venha 
falar comigo. 
Comecei. Mas, estranhamente, constatei que minhas queixas eram 
banais e que, na realidade, não havia naquilo nada que pudesse 
motivar aborrecimento. 
Abreviei o espaço dos dias e, depois, passei a examinar os papéis 
horas depois dos acontecimentos. 
Verifiquei que não tinha nenhuma injustiça a exigir a reclamação de 
papai. E parei de chorar várias vezes ao dia, como estava 
acostumado a fazer. 
Hoje compreendo que tudo foi uma brincadeira de papai. Todavia, 
com grande habilidade ele me levou a refletir antes de agir. E 
desenvolveu em mim a compreensão a respeito do que é justiça e 
injustiça em face do nosso egocentrismo, exigência de privilégios e 
pretensões descabidas. 
Com isso meu espírito de tolerância ganhou uma amplitude que me 
tem beneficiado ao longo de toda a vida.

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