Quando criança eu tinha a mania de me sentir sempre
injustiçado. Por um ou outro motivo, não me tinham feito
justiça, sem perceber que, para mim, a “injustiça” era sempre
qualquer restrição feita aos meus desejos, fantasias e vontades.
E invariavelmente arrebentava em lágrimas de protesto.
Um dia papai me chamou e disse:
- Meu filho, vamos combinar uma coisa. Você sabe que papai não
gosta de ver você triste, não é? Então nós vamos fazer o seguinte:
cada vez que você chorar, escreva num papel a causa. Coloque o
papel no vaso azul, ali, sobre a escrivaninha. Deixe passar alguns
dias e leia-o. Se achar que o assunto ainda o está aborrecendo,
venha a mim, conte-me o caso e eu lhe prometo que corrigirei a
injustiça que tiverem feito contra você. Combinado?
Estava combinado. Nos primeiros dias eu enchi o vaso azul de
anotações. Passadas no preto e branco, minhas queixas me pareciam
perfeitamente justificadas.
Passaram-se os dias e meu pai voltou a falar comigo.
- Você já pode começar a reexaminar os seus papéis. Depois venha
falar comigo.
Comecei. Mas, estranhamente, constatei que minhas queixas eram
banais e que, na realidade, não havia naquilo nada que pudesse
motivar aborrecimento.
Abreviei o espaço dos dias e, depois, passei a examinar os papéis
horas depois dos acontecimentos.
Verifiquei que não tinha nenhuma injustiça a exigir a reclamação de
papai. E parei de chorar várias vezes ao dia, como estava
acostumado a fazer.
Hoje compreendo que tudo foi uma brincadeira de papai. Todavia,
com grande habilidade ele me levou a refletir antes de agir. E
desenvolveu em mim a compreensão a respeito do que é justiça e
injustiça em face do nosso egocentrismo, exigência de privilégios e
pretensões descabidas.
Com isso meu espírito de tolerância ganhou uma amplitude que me
tem beneficiado ao longo de toda a vida.
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